segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

A incidência de tributos sobre os Créditos de Carbono

O Protocolo de Kyoto, considerado um dos mais ousados e importantes compromissos de preservação ambiental, é um instrumento jurídico internacional vinculado à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, negociado e firmado na cidade japonesa de Kyoto, em 1997, que entrou em vigor em 16/02/2005. Tal compromisso impõe metas aos países desenvolvidos (do chamado Anexo I) para que a média de emissões dos gases de efeito estufa - GEE (dióxido de carbono, metano, óxido nitroso e outros) sejam reduzidas em 5,2% das emissões registradas em 1990, para o período de 2008 e 2012. Os países em desenvolvimento, incluindo o Brasil, ainda não possuem metas, mas deverão tê-las a partir de 2012, quando da vigência do segundo período de compromisso.

Dentro do Protocolo foram criados mecanismos para a redução dos GEE: (i) o Comércio de Emissões (Emission Trade - ET) que possibilita aos países do Anexo I comercializar parte de redução de suas emissões através da compra de “folgas” existentes; (ii) a Implementação Conjunta - Joint Implementation (JI) possibilita a um país do Anexo I receber Unidades de Emissão Reduzida (UER) ao ajudar a desenvolver projetos que provoquem redução de emissão em outro país também do Anexo I, de forma suplementar as suas ações domésticas; e (iii) o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo - MDL (Clean Development Mechanism - CDM) objetiva o financiamento de projetos que visem à redução dos GEE nos países do não Anexo I ao desenvolverem e implementarem atividades aprovadas de Redução desses gases. Assim, os países do Anexo I podem utilizar os Certificados de Emissões Reduzidas de projetos aprovados como parcela do compromisso que lhes competes. Têm, portanto, o objetivo de buscar a mitigação de emissões de GEE em países em desenvolvimento, na forma de sumidouros, investimentos em tecnologias mais limpas, eficiência energética e fontes alternativas de energia.

Diante da inovação do tema, muitas dúvidas surgem no tocante a tributação deste mercado, bem como a incidência ou não de COFINS, PIS/Pasep sobre as receitas oriundas da venda de Reduções Certificadas de Emissões de gases do efeito estufa. No Brasil a Receita Federal em algumas oportunidades já se posicionou a respeito do assunto. Recentemente, em 31 de agosto de 2009, foi publicada a Resposta de Consulta nº 24/09 na qual a Superintendência Regional da 5ª Região, que compreende a Bahia e o Sergipe, afirmou que o PIS e a COFINS não incidem sobre as receitas obtidas na venda dos RCE´s. O que em um primeiro momento representa um considerável benefício ao contribuinte envolvido em projetos de sustentabilidade. Entretanto, quando se analisa mais profundamente os fundamentos utilizados pelo referido órgão para afastar tais valores da tributação, verifica-se que a posição dos contribuintes não é tão confortável quanto aparenta. Afirma a Receita Federal que as receitas das vendas dos RCE´s são consideráveis como exportação, que pela Constituição Federal são imunes a incidência tributária das contribuições sociais.

No entanto, através de uma análise rápida do negócio jurídico realizado constata-se que não há um bem físico ou uma mercadoria envolvida na negociação ou até mesmo uma prestação de serviço, logo não se pode falar em exportação. As RCE´s geradas por determinado projeto de MDL, qualquer que seja a situação, apenas circulam entre as contas registradas contabilmente pelo Conselho Executivo do MDL, localizado na Alemanha, que são emitidas e registradas em nome do titular do projeto, o qual poderá solicitar que certo número de RCE´s sejam transferidas para a parte adquirente. Portanto, a Resposta de Consulta em comento não pode ser considerada com um precedente de peso, uma vez que a base jurídica sob a qual está fundamentada é falha, podendo ser facilmente alterada pelo próprio órgão que a emitiu.

O que deixou de ser um discurso retórico frente às alterações climáticas sentidas pelo mais leigo no assunto, passou ser tratado como prioridade pelos líderes mundiais. Assim, o Brasil precisa acompanhar estas mudanças e imprimir em sua legislação as adequações necessárias para incentivar a sociedade como todo a ter conduta mais sustentável. Neste contexto, vários países da Europa há muitos anos instituíram os tributos ecológicos, que incidem progressivamente sobre as operações que mais causam dano ao meio ambiente. Em contrapartida, as ações que gerarem redução da poluição são beneficiadas com tratamento tributário mais benéfico. Portanto, é necessário que o Governo Brasileiro adote uma posição similar capaz de gerar segurança aos contribuintes, para que estes não fiquem a mercê de decisões isoladas da Receita Federal, que a qualquer tempo podem ser alteradas, bem como, para que o Brasil não fique na contramão da história. PE

Artigo escrito em parceria com a doutora Rejiane Barbosa Prado de Oliveira Pós-graduada em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP); Graduada em Direito pela Faculdade de Direito do Sul Minas; é responsável pela Área Tributária do Emerenciano, Baggio e Associados Advogados.PE

Renata Franco de Paula Gonçalves Moreno
É formada em Direito pela Universidade São Francisco e em Ciências Sociais pela UNICAMP, com extensão em Direito Ambiental pelo Instituto Brasileiro de Advocacia Pública - IBAP e Direito Internacional Público pela Academia de Direito Internacional da Haia (Holanda). É mestre pela Université de Metz (França) e doutoranda em Ciências Sociais na UNICAMP. Associada do escritório Emerenciano, Baggio e Associados Advogados, responsável pelo Departamento de Direito Ambiental.

Nenhum comentário:

Postar um comentário