quinta-feira, 20 de maio de 2010

Novas implicações legais para as áreas


O crescimento das metrópoles brasileiras tem sua desvantagem: transformam o espaço urbano, fazendo surgir imóveis industriais desocupados e possivelmente contaminados


O acelerado processo de urbanização verificado nas três últimas décadas no país marcou a explosão do crescimento das cidades, transformando o espaço urbano e (re) definindo as áreas que compõem essas territorialidades. Do mesmo modo, o processo de industrialização brasileira se intensificou a partir da década de 1950, com a cidade de São Paulo concentrando 58% da indústria nacional até 1970. A partir da década de 70, verifica-se uma diminuição do crescimento industrial para a cidade de São Paulo, no entanto, no interior da cidade subira aceleradamente, atingindo um crescimento de 22,5%.

O próprio crescimento e desenvolvimento das cidades, seja da grande São Paulo ou de qualquer outra metrópole brasileira, transformou o espaço urbano, principalmente por causa do deslocamento das atividades industriais para áreas periféricas a fim de desocupar áreas urbanas para suprir o contingente populacional que se deslocava da área rural para trabalhar nas cidades. Decerto, todo esse processo acarretou o surgimento de um grande número de imóveis industriais que hoje se encontram desocupados, formando verdadeiros vazios na espacialidade urbana e possivelmente contaminados.

Durante a década de 1980, alguns desses imóveis foram convertidos para uso não industriais, transformando-se em espaços essencialmente residenciais, tendência esta que desde então tem se acelerado. Referido processo de transformação urbana se acentuou devido à promulgação da Lei nº 9.999/98 do Estado de São Paulo, que possibilita a ocupação, das zonas de uso predominantemente industrial por outros usos, até então vetados, como uso residencial e/ou comercial.

Diante da situação cada vez mais alarmante, temos algumas recentes propostas de disciplinamento da questão. Em Dezembro de 2009, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) editou a Resolução nº 420, dispondo sobre critérios e valores orientadores de qualidade do solo quanto à presença de substâncias químicas e estabelecendo diretrizes para o gerenciamento ambiental de áreas contaminadas por essas substâncias em decorrência de atividades antrópicas. Em nível federal existe ainda um projeto de lei que trata sobre áreas contaminadas, mas ainda não foi aprovado.

Diretrizes para o Gerenciamento de Áreas Contaminadas

Ante a tardia manifestação da União quanto ao controle das áreas contaminadas, alguns estados se anteciparam no disciplinamento da questão, com base na competência concorrente no tocante a proteção ambiental. De acordo com o sistema federativo brasileiro, a tutela ambiental, em regra, é compartilhada entre os níveis federativos através do sistema de competência legislativa concorrente (CF, art. 24, VI a IX) e do sistema de competência administrativa comum (CF, art. 23, III, VI e VII).

Como ainda não existe lei federal que discipline o assunto, mas apenas Resolução Orientativa do CONAMA, órgão consultivo e deliberativo no tocante a padrões de qualidade ambiental, os estados possuem competência plena para legislarem sobre a matéria.

No caso do estado de São Paulo, inicialmente, a CETESB editou o Guia para Avaliação do Potencial de Contaminação em Imóveis – CETESB/GTZ (2003) e em 2007, foi editada a Decisão da Diretoria nº 103/2007/C/E que dispõe sobre o procedimento para gerenciamento de áreas contaminadas. Além disso, temos a Norma ASTM 1527-05E para Avaliação Ambiental da Fase I (Standard Practice for Phase I Environmental Site Assessment).

Mais recentemente, foi promulgada a Lei Estadual nº 13.577/2009, que disciplina o gerenciamento de áreas contaminadas no estado de São Paulo.

Tal normativa dispõe sobre diretrizes e procedimentos para a proteção da qualidade do solo e gerenciamento de áreas contaminadas. Indica como instrumentos para o gerenciamento dessas áreas, (i) o cadastro de áreas contaminadas,(ii) a disponibilização de informações, (iii) declaração de informação voluntária, (iv) plano de desativação do empreendimento, (v) plano de remediação, (vi) incentivos fiscais, tributários e creditícios, dentre outros instrumentos.

Importante ressaltar que o cadastro de áreas contaminadas se destina, inclusive, para áreas que sejam potencialmente poluidoras e que tenham no passado abrigado atividades passíveis de provocar qualquer tipo de contaminação, não se restringindo apenas as áreas efetivamente contaminadas.

A normativa estadual indica ainda que qualquer pessoa – física ou jurídica - que possa, por ação ou omissão, contaminar o solo deve adotar medidas de necessárias para sua remediação e mitigação. Além disso, considera como responsáveis legais e solidários, pela prevenção, identificação e remediação de uma área contaminada (i) o causador da contaminação ou seus sucessores, (ii) o proprietário da área, (iii) o superficiário, (iv) o detentor da posse efetiva, (v) quem dela se beneficiar direta ou indiretamente. Determina que poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica quando sua personalidade for obstáculo para a identificação e a remediação da área contaminada. Por fim, na hipótese do responsável legal não promover a imediata remoção do perigo, tal providência poderá ser adotada subsidiariamente pelo Poder Público, garantindo o dever de ressarcimento deste pelos gastos despedidos pela administração pública.

Outra questão a pontuar são os valores previstos a título de multa: de 4(quatro) a 4.000.000 (quatro milhões) o valor da Unidade Fiscal do Estado de São Paulo – UFESP, perfazendo atualmente R$ 65.680.000 (sessenta e cinco milhões e seiscentos e oitenta mil reais).

Do mesmo modo, a cidade de São Paulo editou no dia 05 de janeiro de 2010 a Lei n. 15.098 que obriga o poder executivo municipal a publicar na imprensa oficial ou disponibilizar no site oficial da Prefeitura um relatório das áreas contaminadas do município.

Diante do acima exposto, percebe-se uma intensificação na preocupação e no tratamento das questões envolvendo áreas contaminadas. De fato, a questão ambiental contemporânea surge da compreensão dos limites materiais do nosso mundo, onde o uso do espaço que encontramos nesse início de milênio é o produto das forças sociais criadas ao longo da história, e a preservação do meio ambiente deve ser um fim e os mecanismos legais de proteção um norte.PE

Renata Franco de Paula Gonçalves Moreno
É formada em Direito pela Universidade São Francisco e em Ciências Sociais pela UNICAMP, com extensão em Direito Ambiental pelo Instituto Brasileiro de Advocacia Pública - IBAP e Direito Internacional Público pela Academia de Direito Internacional da Haia (Holanda). É mestre pela Université de Metz (França) e doutoranda em Ciências Sociais na UNICAMP. Associada do escritório Emerenciano, Baggio e Associados Advogados, responsável pelo Departamento de Direito Ambiental.

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